Literatura não é fórmula matemática: entrevista com Luiz Costa Lima
Autor de cerca de 20 livros, alguns dos quais se tornaram clássicos nos cursos de literatura do país, Luiz Costa Lima lançou seu primeiro livro aos 26 anos, sob o investigativo título de Por que literatura, assim, sem ponto de interrogação. Com a obra, o recém-admitido professor de literatura da Universidade de Pernambuco tentava dar uma contribuição para a teoria literária, mas também uma resposta tardia a si mesmo e ao pai. A vida do autor de Limites da voz (1993) e Mímesis: desafio ao pensamento (2000) se vocacionava para o estudo da matemática, até que a leitura de Montanha dos sete patamares, biografia de Thomas Merton, o convertesse não para a religião, como no caso do estudante da Universidade de Columbia, mas para o mundo da ficção e das ciências humanas. E foi com preocupado espanto que o pai, engenheiro bem sucedido, indagou ao adolescente de 16 anos que lhe comunicava a decisão de abraçar a literatura: “mas como se estuda isso?”
Passadas cinco décadas de intensa produção de crítica e teoria literária, o professor do Instituto de Letras da UERJ e de História da PUC/RJ, que esteve nesta semana em Florianópolis participando como conferencista do I Seminário dos Alunos de Pós-Graduação em literatura da UFSC, ainda não encontrou a resposta formatada para a questão. E é provável que o respeito à dificuldade – e mesmo impossibilidade – de definir o que é literatura, para que serve e como deve ser estudada seja o que diferencia Costa Lima dos teóricos que tratam a matéria literária com a cientificidade das ciências exatas, colocando o método à frente da leitura e das possibilidades de reflexão que ela proporciona no campo da história, filosofia, sociologia etc.
Aos 74 anos, natural do Maranhão, Costa Lima narra com humor e simplicidade essa história de ingresso no mundo das letras como alegoria de sua visão atual sobre a teoria literária – uma busca em incessante transformação, cuja melhor expressão é a herdada do escritor irlandês James Joyce: “a work in progress”. Escritos de Véspera, livro inédito que lançou pela Editora da UFSC na quinta-feira, 18, após palestrar para um auditório lotado sobre a história da teoria literária no Brasil, é uma mostra viva do trabalho intelectual como uma obra em construção. Nele, o crítico percorre várias teorias e métodos sem fixar âncora em nenhum e também sem descartar a abordagem anterior ao descobrir uma nova, como se fosse sobrepondo, segundo ele mesmo, as “camadas de uma cebola”.
Proposto por alunos de literatura com quem formou um grupo de estudos nos anos 70, o livro reúne artigos fundamentais produzidos nos anos de chumbo sobre a obra de Machado de Assis, Euclides da Cunha, Guimarães Rosa, João Cabral de Melo Neto, em diálogo com clássicos como Stendhal e Lawrence Stern e analisados sob a perspectiva marxista e estruturalista do antropólogo Lévy Strauss, de quem foi amigo e admirador. Um deles, dedicado a Guimarães Rosa, foi escrito em parceria com o antropólogo Viveiros de Castro e, como os demais, mostra a vitalidade do estruturalismo e ao mesmo tempo a necessidade do crítico de ultrapassar essa abordagem. O salto teórico seguinte pode ser apreciado no último artigo da coletânea, intitulado “Representação Social e Mímesis”, escrito no início dos anos 80. Nele, o Costa Lima de uma segunda fase anuncia a influência da teoria da recepção, de Wolfgang Iser, que conheceu anos antes quando, com o passaporte cassado e impedido de voltar ao Brasil pela Ditadura Militar, viajou para a Alemanha. “Com a abertura problemática que os alemães me mostravam, percebi que o estruturalismo de Strauss dava conta do aspecto antropológico das mitologias indígenas, mas não da complexidade da obra literária”. Nesse artigo, o autor de O Controle do imaginário (1984) e Limites da Voz: Kafka (1993) relê a poética de Aristóteles para revolucionar o conceito de mímeses, que passaria a perseguir daí em diante, tirando-a da categoria inferior de reprodução da realidade.
Durante a conversa de quase duas horas no jardim do Hotel Quinta da Bica d´Água, Costa Lima intersecta esses tempos simultâneos desde a pergunta do primeiro livro, que permanece até hoje e esse Escritos de Véspera, que publica pela editora catarinense aos 74 anos. Tão interessante quanto o conteúdo das análises é o fato de entreverem esse percurso antilinear, da maturidade à juventude intelectual de um dos mais importantes teóricos da literatura do Brasil.
Raquel Wandelli
Jornalista, doutoranda em Literatura pela UFSC e professora de jornalismo na Unisul, autora de Leituras do Hipertexto: viagem ao Dicionário Kazar, publicado pela EdUFSC/IOESP