Cena 11 apresenta a miragem da perfeição na abertura da 5ª Semana de Dança da UFSC
Colônia, a ação performática apresentada pelo Cena 11 na abertura da 5ª Semana de Dança da UFSC, brinca de apocalipse e lida em pouco mais de uma hora, sem palavra alguma ser dita, com noções de toda a existência humana e da civilização, perfeição enquanto miragem, relações e jogos incompreendidos e o ciclo de aperfeiçoamento, queda e desaparecimento. É denso, muitas vezes inquietante, e é bastante coisa em tão pouco tempo. Mas também é apresentado com ternura e empatia.
Os bailarinos entram no palco aos poucos, cada um por um ponto diferente, vindos da plateia, sem distinção visual entre os integrantes do grupo e os participantes convidados entre alunos da Universidade. Posicionam-se pelo palco com os corpos pendendo, como se ali a gravidade estivesse mais forte. Ao mesmo tempo, a posição é de vigília e atenção, acentuada pelo som de zumbido repetitivo, como um alarme. Várias cadeiras diferentes alinhadas dos dois lados do palco e ao fundo compõem o espaço cênico junto com o telão.
A partir daí, cada dançarino desenvolve uma rota particular, andando ou correndo pelo palco e entre a plateia. Criam formações em pares ou trios, cabos de guerra como jogos de criança, negociam relações, às vezes de confronto, às vezes de acolhimento e colaboração. Mais de uma vez, quando o peso da pequena multidão sobre o palco parece cair sobre dois ou três, eles encapsulam-se em proteção, lembrando a pose da Pietá de Michelangelo.
Quando aglomeram-se na beirada do palco e alguns caem para junto do público, assemelham-se a lemingues que escolhem se atirar de precipícios para a morte. Mas então lembramos que os lemingues, na verdade, não pulam: em condições extremas, vão instintivamente para lá em busca de condições de sobrevivência e alguns acabam derrubados para o mar. Da mesma maneira, mais do que por coreografia, o corpo de dança parece guiado por regras não enunciadas e tarefas a cumprir, cada um a seu modo.
Ao longo dos anos, o Cena 11 explora a relação da fragilidade e imperfeição do ser humano com o mundo ao redor e consigo mesmo. Para isso, além dos movimentos corporais, incorporam tecnologia, robôs, efeitos de luz, ferramentas e outros artefatos. Em Colônia, esses recursos são bem mais econômicos: as mudanças de iluminação, o som, sempre em zumbidos repetitivos, e o telão. Mas, mais uma vez, o cerne da ação se desenvolve nas pessoas. E a procura não é só pela relação entre o ser humano, os mais próximos e o ambiente. A presença social e da coletividade se coloca tanto quanto o extra-humano e as questões interiores.
A construção sugere caos, até que começa a insinuar alguma espécie de ordem e caos novamente. Aos poucos, a ideia de perfeição vai aparecendo, apenas para sumir assim que cristalizada. Como a história da civilização que luta em torno de si mesma, contra todas as possibilidades e fraquezas, ocupada em nascer até chegar ao auge tão fugaz. E aí passa imediatamente a ocupar-se em morrer e colapsar. O processo é pesado e exaustivo.
A narrativa é toda generosa, de quem se identifica com o que passa por todos ali. Mas o final não é de redenção. Pelo contrário, a sensação de desconforto e perturbação não termina de ser completamente quebrada nem quando os bailarinos, agora já fora de seus papeis, voltam ao palco para os aplausos. É todo o mundo desde sempre, mas também é total 2019.
Abertura
O clima de inquietação na cerimônia de abertura vinha de antes do início do espetáculo. Em seu pronunciamento, a professora Giselle Guilhon, coordenadora do I Colóquio Latino-Americano de Antropologia da Dança, realizado paralelamente à Semana, convidou os estudantes de diversas IES públicas de todo o país a assinalarem sua presença e reforçar o entrelaçamento entre as artes e as ciências humanas.
A professora Maria de Lourdes Alves Borges, secretária da SeCArte, resumiu: “façam dança como quem luta”.
A 5ª Semana de Dança da UFSC continua com extensa programação até 31 de março. Acesse o site para mais informações.
Fabio Bianchini / jornalista da UFSC