Editora da UFSC lança Ecos no Porão

22/03/2011 15:02

Florianópolis é o cenário para uma legião de homenzinhos fazendo cooper com calções esdrúxulos, tristes velhos pederastas, velhinhos trovadores, desempregados, avozinhas, solteironas, aposentados, enfim, habitantes da vizinhança da Ilha onde pulsa um coração decrépito, murchando para a vida, que pode ser acordado de súbito por um pequeno incidente, a fuga de um canário ou uma rajada de vento.

Mas Florianópolis não é mero pretexto para o quase octogenário escritor Silveira de Souza descrever o local onde nasceu e viveu. Mais do que isso, a Ilha é o “mundinho” onde se constituem essas “figurinhas ridículas” e apaixonantes do grotesco que vão ganhar dramaticidade e lirismo em Ecos no Porão, o segundo volume da antologia de contos de Silveira, que a Secretaria de Cultura e Arte e a Editora da Universidade Federal de Santa Catarina lançam nesta terça-feira, dia 22 de março, às 10 horas, com a presença do autor, durante a Feira de Livros da UFSC e Liga das Editoras Universitárias, na Praça da Cidadania.

Esses habitantes ao mesmo tempo ordinários e excêntricos dos porões da ficção de Silveira, que podem estar no café, na Beira-Mar, na Praça XV, no Calçadão ou em quarto de hotel, carregam um traço em comum: todos experimentam o vazio da existência. Mas ao longo das 137 páginas são surpreendidos no automatismo banal do seu dia a dia urbano por sutis acontecimentos que anunciam possibilidades de passarem do mundinho para o “mundão” e conhecerem uma dimensão mais sublime da vida. E o que produz o acesso ao mundão? Uma sinfonia de Bethoven, um sonho ou um pesadelo, uma emoção inesperada, uma cena da memória, um abalroamento de carro, enfim, interferências mais ou menos perceptíveis que alteram o estado de coisas e, como em um poema hai kai, sugerem uma revelação.

Nem sempre os seres da Ilha percebem essas epifanias cujo deslinde o autor deixa a cargo da perspicácia e prazer do leitor, como anota bem o editor da obra, Sérgio Medeiros Vieira. “Em geral essas mudanças provocam os personagens momentaneamente, levando-os para a absoluta estranheza, mas não chegam a arrancá-los em definitivo do seu mundinho”, diz o diretor da Editora, que chama atenção para a delicadeza e a sofisticação da obra. É como se as possibilidades de sair do vazio estivessem por toda parte, mas os habitantes não se dispusessem a enxergá-las.

A exemplo do primeiro volume, Ecos no Porão II traz na capa a ilustração de um grande artista plástico catarinense, neste caso uma instalação de Fernando Lindote. Em papel pólen, a obra reúne três seleções do próprio autor dos livros Canário de assobio (1985), Relatos escolhidos (1988), Contas de vidro (2002) e ainda cinco contos inéditos, entre eles a narrativa metalinguística “Ecos no porão”, que dá nome à obra e traduz uma metáfora de Silveira para as deformações estilísticas da leitura dos escritores clássicos que inundam seu imaginário desde os dez anos de idade. Vendidas com desconto de 50% durante a Feira EdUFSC/LEU (R$ 15,00), que se estende até o dia 8 de abril, na Praça da Cidadania, os dois volumes apresentam-se, assim, no crivo do escritor e do editor, como o melhor da safra de Silveira.

Os personagens velhos passeiam por grande parte dos contos, mas assumem uma expressividade absoluta em “Vidraças partidas”, onde a decrepitude ganha um lirismo refinado na tentativa de sublimar o vazio através do amor sexual por um jovem. Todavia, em “O olho de Deus”, uma carta assinada aos efebos por mais um velho – funcionário público – aturdido pelo vazio, Silveira alcança um domínio da linguagem que fica à altura da ironia de Franz Kafka no conto “Convenção à Academia”.

Volta e meia Paulo, uma espécie de superego do autor passeia pelas narrativas. Ele mesmo um senhor de baixa estatura e calvo, e conversa franca e elevada, como o homenzinho de “olhinhos afiados” e “face rechonchuda” do conto “He, He, He, He!”, da coletânea Contas de vidro. Como se acometido de uma inspiração sublime, o baixote interrompe a reunião de engravatados executivos encafifados com o planejamento publicitário da empresa para contar um episódio bizarrísimo envolvendo os índios e índias tupinambás e Jean de Léry, missionário francês que narrou sua visita ao país por volta de 1557 na obra Le voyage au Brésil. Em seu relato aparentemente nonsense, o homenzinho exalta “um canto sublime, de extraordinária beleza”, que se produz inicialmente de um murmurante “he, he, he” entre os varões da tribo e contagia o coro das mulheres até assumir a proporção de um canto catártico. O personagem é calado pela perplexidade desdenhosa dos executivos, que retomam sua reunião sem se dar conta do caráter revelador da intempestiva história.

E assim, com sua habilidade inigualável com a língua, uma boa dose de humor e ironia e um olhar lírico para o grotesco, Silveira parece rir-se baixinho ao final de cada história onde reside uma possibilidade de revelação que nunca se entrega sem esforço do leitor… E é como se ouvíssimos os ecos longínquos do seu “he, he, he…” por trás de cada um dos 28 contos.

ENTREVISTA

A Ilha e seus habitantes na ficção de Silveira de Souza

Considerado pelo escritor Salim Miguel um dos maiores contistas brasileiros da atualidade, Silveira publicou O cavalo em chamas (Ática 1981) e Janela de varrer (Bernúncia, 2006). Como contista e tradutor de autores universais, participou ativamente do Grupo Sul, movimento que trouxe o Modernismo para Santa Catarina nos anos 40 e 50.  Aposentado do serviço público, desenvolveu sua carreira literária em meio à rotina de diversas funções, de professor de matemática do Instituto Estadual de Educação e da Escola Técnica Federal de Santa Catarina, a diretor da Divisão de Informação e Divulgação do Departamento de Extensão Cultural da UFSC. Também atuou no setor de editoração da Fundação Catarinense de Cultura como coordenador das Edições FCC. De mãos ágeis e tão falantes quanto seus contos, mais falantes do que ele próprio, Silveira, concedeu esta entrevista:

O que norteou esta seleção de contos do segundo volume de  Ecos no Porão e o que a diferencia do anterior?

– O plano geral que norteou a preparação de Ecos no Porão, volumes I e II, foi proporcionar uma seleção dos que considero meus melhores textos publicados em livros, desde 1960 até o presente. A única pequena diferença que existe no segundo volume, em relação ao primeiro, é que ele contém alguns relatos inéditos e outros que fizeram parte de coletâneas com outros autores.

Percebe-se em todos os contos uma consciente localização do cenário de Florianópolis que vai muito além do mero retrato ou panorama da cidade pelo escritor. Em que tipo de intenção estética se inscreve essa presença geográfica de Florianópolis na sua ficção?

– De fato, Florianópolis é o cenário de todos os relatos. Por não se tratar de um guia turístico, mas de um livro de ficção literária, o leitor não vai encontrar descrições pormenorizadas ou exaltações entusiásticas a respeito de suas paisagens e recantos pitorescos. O que existe são apenas brevíssimas indicações dessa geografia, integradas à ação e à mente dos personagens. Foi minha intenção que esses personagens se comportassem como habitantes de uma ilha, que a ilha fosse, indireta ou inconscientemente, um componente importante de sua psicologia. Creio que isso diferencia um tanto os meus relatos dos relatos de autores de outros estados.

Alguns elementos naturais marcantes de Florianópolis também são recorrentes na narrativa, como o vento, o mar, as aves. Parece que você dá aos elementos inumanos uma vida e uma participação muito mais específica e marcante do que a de mero cenário para expressão do universo humano…

– Pode ser algo ilusório, mas sempre achei que as ilhas, e em especial a nossa Ilha de SC, propiciam uma aproximação maior do universo humano com outros universos, como o universo de seres inumanos (o mar, os ventos) e o universo de outros viventes, como os peixes, as aves, os insetos, os pássaros, as árvores e os bosques.

Apesar da aparente banalidade de suas vidas, os personagens sempre ganham a possibilidade de uma anunciação ou de uma revelação. Nem sempre se dão conta dessas possibilidades e nem sempre elas têm a força de arrancá-los do seu mundinho… O que você diz sobre isso?

– Na verdade não sei se a minha vida é banal, ou se o mundo de minha literatura é banal. Faz algum tempo que deixei de qualificar as coisas. Quando às vezes tento fazer uma retrospectiva da minha vida até o momento, me dou conta que ela foi pontilhada de fases diversas e até mesmo contraditórias; uma, extremamente tumultuada, com muita bebida, fumaça, cortinas vermelhas e anarquias boêmias; outra (como na infância) cheia de descobertas maravilhosas; outra, tediosa e presa às obrigações sem muito sentido, que eu precisei encarar para poder comprar, como disse certa vez Tom Jobim, “o uisquinho das crianças”; e ainda outra (como presentemente), tranquila e voltada para o estudo e a meditação. Mas, banal ou não, houve algo em todas essas fases que me salvou de um mergulho na mediocridade absoluta: um interesse pela criação literária, que me acompanha desde a infância. Quanto a meus relatos literários os personagens em geral vivem nesse mundinho, sem heroísmos, sendo muitas vezes surpreendidos por (para eles) estranhas ocorrências que podem despertá-los para uma dimensão de suas vidas antes desconhecida.

Ainda que voltado para as delicadezas da existência e da alma, os contos sempre iniciam com cenas concretas, personagens que têm vida corpórea própria, para que depois se deem as abstrações e possibilidades de reflexões filosóficas. Está aí uma escolha estética consciente?

No meu caso, não houve escolha. O modo como escrevo os meus relatos foi nascendo naturalmente, seja como resultado de constante exercício, seja como uma visão muito pessoal do mundo (e da criação literária ou da criação de modo geral), que foi nascendo com a vivência e com as impressões causadas no contato com obras de grandes ficcionistas, com pinturas, músicas, revistas diversas, cinema, paisagens, pessoas, bichos, mil coisas.

E qual o lugar da velhice nos seus contos. Pode comentar que traço há em comum nesses personagens aparentemente reféns da solidão e da decrepitude?

O velho do conto Vidraças partidas (que considero o meu  conto melhor realizado) é um caso especial. Ele existiu, costumava passear pela Felipe Schmidt, de terno e gravata, nos anos 1960, usando um chapéu de feltro. Pensei nele, na sua figura, quando pintou o tema do relato, uma experiência de extrair algo lírico de um comportamento que normalmente se julga degradante.

Você  faz uma literatura ao mesmo tempo densa e econômica, como poucos contistas. Como chegou a essa síntese e que autores o influenciaram nessa escolha estética?

– Harold Bloom escreveu que toda a escritura é uma espécie de releitura. Se ele estiver certo, devo dizer que leio desde os dez anos de idade (estou hoje beirando os 78). Em todo esse tempo, passei por períodos de leitura em que determinado autor, às vezes determinados autores, monopolizavam a minha preferência. Posso citar alguns deles: Monteiro Lobato e Hans Christian Andersen, lá entre os dez e 12 anos. Depois, com o tempo, foram surgindo: Machado de Assis, Anton Checov, Dostoievski, Clarice Lispector, Kafka, Dyonélio Machado, Joseph Conrad, James Joyce, Thomas Mann, William Faulkner, Guimarães Rosa, Cortazar, Jorge Luis Borges, H.P. Lovecraft e mais alguns outros. Nem vamos falar de poetas, de compositores, de alguns desenhistas e pintores, e de alguns diretores de cinema. É provável que todos eles, de algum modo, tenham deixado alguma marca, numa frase, na estruturação de uma determinada estória, na caracterização de um dado personagem. Mas essa é uma praia para os críticos literários.

Alguns escritores, como Salim Miguel, o consideram o maior escritor catarinense da atualidade e um dos melhores contistas do Brasil. O que pensa disso?

– Não tenho como responder a isso. Mas devo dizer que, desde 1960, quando publiquei O Vigia e a Cidade, até agora, o propósito real ao escrever os meus relatos foi conseguir realizar algo que me satisfizesse interiormente, do ponto de vista de uma criação estético-literária. Nunca me interessou ser, como autor, maior ou menor, principalmente num momento em que Santa Catarina tem, residindo aqui e fora daqui, um conjunto de poetas e escritores de primeira linha, como o próprio Salim.

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Diretor do Núcleo de Estudos Açorianos recebe medalha Francisco Dias Velho

22/03/2011 15:00

O trabalho de quase 30 anos do historiador e fotógrafo Joi Cletison Alves à frente de órgãos da Universidade Federal de Santa Catarina que promovem valorização da cultura local foi reconhecido pela Câmara Municipal de Florianópolis. Na sessão solene em comemoração aos 285 anos da cidade, Joi receberá da Câmara a medalha de Mérito Francisco Dias Velho. A distinção será concedida a um total de 14 cidadãos florianopolitanos que “mais notável contribuição deram à comunidade, ao estado e ao País, nas artes, letras e ciências”. Coordenador do Núcleo de Estudos Açorianos da Secretaria de Cultura e Arte da UFSC, Joi lembra que a distinção fortalece o investimento da universidade para que a cultura açoriana continue viva entre a gente catarinense.

A solenidade ocorrerá no dia 23 de março, às 20 horas, no Auditório do Pleno, no Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Joi receberá a Medalha Francisco Dias Velho ao lado do ex-reitor da UFSC Antônio Diomário Queiroz e outras personalidades, como Jorge Mussi, Péricles Prade, Andrino Oliveira e Renato Turnês. Especialista em história de Santa Catarina, Joi participou da criação e implantação do Departamento Artístico Cultural da UFSC, em 1984, e hoje, além do NEA, coordena os projetos Fortalezas da Ilha de Santa Catarina, que atua na preservação do patrimônio arquitetônico e paisagístico das fortificações, e o Saber Fazer, que promove a capacitação de pessoas que vivem do artesanato de base açoriana, todos projetos integrantes da Secretaria de Cultura e Arte da universidade.

Como coordenador do NEA, o historiador idealizou e ajudou a consolidar a Festa da Cultura Açoriana de Santa Catarina, realizada desde 1997, e o Troféu Açorianidade. Publicou ainda o Mapeamento da Cultura de Base Açoriana no Estado de Santa Catarina, criando um importante Sistema de dados sobre a distribuição desses focos de imigração, em 2004. Assumiu também uma atuação decisiva na aproximação cultural e histórica entre Santa Catarina e Açores, coordenando o Intercâmbio Cultural Folclórico Açores/Brasil 1999 e 2010 e o 6º Seminário de Cidades Fortificadas Brasil, Portugal e Argentina, em 2010.

Na mesma cerimônia, outros 12 cidadãos receberão Medalha de Mérito Municipal, concedida aqueles que, por serviços relevantes, tiveram concorrido de qualquer forma para o engrandecimento do Município e mais oito serão agraciados com o título de Cidadão Honorário, concedido às pessoas ou entidades não florianopolitas que reconhecidamente tenham prestado serviços relevantes ao Município, Estado, União e humanidade.

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Feira de livros de editoras universitárias oferece até 70% de desconto na volta às aulas da UFSC

22/03/2011 10:32

A coisa perdida: Agamben comenta Caproni, organizado e traduzido por Aurora Bernardini, Ecos no porão II, livro do contista catarinense Silveira de Souza e Do jeito que você gosta, tradução de Shakespeare. Esses lançamentos que acabaram de sair do prelo compõem uma pequena mostra dos livros que a Editora da Universidade Federal de Santa Catarina, pela primeira vez em parceria com a Liga de Editoras Universitárias (LEU), coloca à venda na volta às aulas, com descontos variando entre 15 a 70%. De 14 de março a 5 de abril, na Praça da Cidadania da UFSC, a Feira de Livros da Editora da UFSC/LEU vai oferecer com descontos muito vantajosos cerca de oito mil títulos de suas antigas e novas coleções.

Ao todo aproximadamente 780 títulos e 7.200 livros da EdUFSC serão vendidos com 50 a 70% de desconto e 500 títulos de outras editoras universitárias filiadas à LEU terão 15 a 30%, incluindo-se as da Unicamp, USP, UFMG e UFBA, todas trazendo obras de interesse universal. É a oportunidade de adquirir pela metade do preço em condições normais, o livro Desgostos: novas tendências estéticas, do filósofo italiano Mario Perniola, que será vendido somente na Feira a R$ 16,00. Outros exemplos da nova coleção da EdUFSC são: George Bataille, filósofo, por R$ 12,00; Poetas da Catalunha, que custará R$ 11,00 e A Coisa perdida, que baixou de R$ 45,00 para 23,00. Com tradução inédita em língua portuguesa, o célebre comentário de Agamben com a seleção dos poemas de Caproni será lançado na Feira. A obra foi recomendada pela mídia nacional entre os dez melhores produtos culturais do país. Ecos no porão, segundo volume da coletânea de contos de Silveira de Souza também será lançado com preço especial de R$ 15,00.

Aberta ao público universitário e a toda comunidade das 9 às 19 horas, exceto aos sábados e domingos, a Feira ocorre em tendas cobertas localizadas na Praça da Cidadania, em frente à Reitoria, com fundo musical de cavaquinho. Incluem-se entre as obras oferecidas a Série Didática, composta por livros solicitados em diversas graduações (Medicina, Farmácia, Enfermagem, Engenharias, Química, Física, Matemática, Português) e autores que costumam ser solicitados na lista do Vestibular das universidades catarinenses. Entre as novas edições da Série Didática, o editor Sérgio Medeiros destaca títulos como Anatomia sistêmica, Introdução à engenharia e Estatística aplicada às ciências sociais e Manual básico do desenho. O volume Farmacognosia, um dos mais vendidos da EdUFSC, recentemente reeditado, também estará à venda com desconto.

A feira da UFSC retorna este ano com outro conceito. Deixou de ser liquidação de livros de ponta de estoque para ser uma feira de qualidade. Segundo o editor, a parceria com a LEU, à qual a UFSC se filiou no ano passado, qualifica a feira com um catálogo de livros dos mais diversificados e respeitados do país, incluindo autores contemporâneos como Walter Benjamin e Giorgio Agamben, e autores clássicos, como Aristóteles e Kant. “Cada editora universitária vai oferecer os seus melhores livros”, acrescenta.

Lançamentos da EdUFSC à venda na Feira:

  • Ética das virtudes – JOÃO HOBUSS (ORGANIZADOR)
  • A coisa perdida: Agamben comenta Caproni – AURORA FORNONI BERNARDINI (ORGANIZAÇÃO E TRADUÇÃO)
  • A decadência de Santa Catarina – HENRIQUE LUIZ PEREIRA OLIVEIRA • MARLON SALOMON
  • Corpo e Performances: As You Like It, de Shakespeare, no século XX – STEPHAN ARNULF BAUMGÄRTEL.
  • Do jeito que você gosta, de Shakespeare, RAFAEL RAFAELI (TRAD.)
  • Desgostos: novas tendências estéticas – MARIO PERNIOLA
  • Discussão de novos paradigmas –  JAIME COFRE • KAY SAALFELD (ORGANIZADORES)
  • Ecos do porão vol I e II – SILVEIRA DE SOUZA
  • Educação do corpo em ambientes educacionais – FÁBIO MACHADO PINTO • ALEXANDRE FERNANDEZ VAZ • DEBORAH THOMÉ SAYÃO  (ORGANIZADORES)
  • Fundamentação filosófica – GIOVANI LUNARDI • MÁRCIO SECCO
  • Georges Bataille – FRANCO RELLA • SUSANNA MATI
  • Redes locais – MARCELO RICARDO STEMMER
  • 28 desaforismos – Franz Kafka –  SILVEIRA DE SOUZA (TRADUÇÃO)
  • 4 poetas da Catalúnia – LUIS SOLER (ORG.)

Raquel Wandelli, jornalista na SeCArte
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O filósofo e o poeta que lamentou a inexistência de Deus

21/03/2011 15:29

As artes estão repletas de obras belas e definitivas em louvor a deus ou à transcendência divina. Mas nenhum artista, cineasta, escritor ou músico cantou com tanto fervor e desespero estético a inexistência de deus quanto o poeta italiano Giorgio Caproni. Esse paradoxo sagrado de quem ao chorar a ausência divina afirma-a faz de Caproni um dos poetas prediletos dos filósofos do pós-guerra.  Em 1999, o pensador Giorgio Agamben escreveu um comentário em prefácio à sua última coletânea de versos que se tornou tão incontornável quanto a própria obra. É essa revelação da poesia pela filosofia que a editora da UFSC acaba de publicar em edição bilíngüe sob o título: A coisa perdida: Agamben comenta Caproni, pela primeira vez em Língua Portuguesa, graças ao trabalho consagrado da tradutora Aurora Bernardini.

Nesse encontro de 375 páginas entre a reflexão e a arte, 40 são dedicadas ao prefácio da tradutora e ao breve, e denso, ensaio de Agamben (Roma, 1942). No restante do livro, imperam soberanos, em tradução bilíngüe, poemas selecionados de onze diferentes obras de Caproni (Livorno, 1912 – Roma, 1990), considerado um clássico da poesia moderna italiana. São versos livres, ora longos, ora curtíssimos, que se fazem de uma delicadeza rude, entabulando misteriosos diálogos com uma entidade invisível ou uma ordem superior, como em “Reflexão”: Foi dito também: “Nós vivemos sobre um monstro”. Eis um mote que todos poderíamos tornar nosso. (A Besta que acuamos é o lugar onde nos encontramos). E também dramaticamente céticos, como em: e “Vou-me” disse,/ “O que lhes deixo é tudo/ o que levo em boa hora./ Tenham saúde. Cuidem/ de si mais do que/ de mim cuidei eu./Vou-me para onde, há tempo, Deus foi-se embora”.

O lamento pela ausência divina ou do que o poeta Rodrigo de Haro identifica como melancolia diante da perda do sagrado faz de cada verso um estranho clamor às avessas, como uma espécie de niilismo inconformado. “Nunca, como nesses poemas, a negação de Deus tem sido uma sua afirmação: como se Caproni tivesse travado com Deus um combate singular, um corpo a corpo definitivo (…)”, escreveu o poeta e crítico Giovanni Testori no Corrie della Serra de 1982, citado no prefácio de Aurora, que é professora da USP e já foi agraciada, na categoria de tradução, pelos prêmios Jabuti e Biblioteca Nacional. É como se o poeta reclamasse a promessa divina da infância traída na vida adulta: Um dos muitos, também eu. Uma árvore fulminada/pela fuga de Deus. (“Também eu”)

Esse sentimento que Agamben chama de traição da ordem do sagrado se expressa com plenitude em Meu Deus, mesmo se não existes, por que não nos assistes?, de “Invocação”, que integra a última coletânea do poeta, cujo título, Res amissa, traduz todo ânimo da obra, mesmo as que têm motivação política de quem combateu no front da Segunda Guerra Mundial e ingressou nas fileiras da Resistência pela libertação. Em seu comentário, Agamben compreende Res amissa como a coisa perdida, a melancolia pela falta daquilo que se teve tão plenamente e passa a ser tão nosso que se perde a consciência da sua presença e se torna impossível perder, mas também se torna impossível recapturar por conta do esquecimento. O próprio Caproni autorizaria essa interpretação em uma anotação a caneta resgatada por Agamben: Todos (sem lembrar de quem)/ recebemos um dom precioso/ e tão ciosos escondemos que não lembramos onde e até mesmo de que dom se trate – /Res amissa, o contrário do Conde. Centro, a perda. Agamben conclui seu comentário dizendo que “de todos os livros de poesia que se continua e se continuará certamente a publicar  é impossível dizer que ao menos um único deles poderá estar à altura do evento que aqui se cumpriu”.

Ensaísta e tradutora de mais de 70 obras, incluindo Jorge Luís Borges, Aurora se dedica no momento à poesia russa e italiana. Convidada a participar, na sexta-feira (11), às 14 horas, na Sala Machado de Assis, do Centro de Comunicação e Expressão, da banca de defesa de André Cechinel, doutorado em Literatura pela UFSC, sobre T.S. Elliot, a autora concedeu entrevista sobre seu trabalho na tradução desses dois grandes expoentes do pensamento e da poesia:

1.       Os poemas da antologia nos trazem sempre o sentido dramático de uma ausência, de uma falta no plano superior. Podemos de algum modo relacionar a coisa perdida com a nostalgia ou o desespero pela perda do sagrado (no seu sentido mais pleno), embora o poeta ao tempo que reclame da ausência de Deus afirme sua inexistência?
Aurora Bernardini – A questão da ateologia (a análise da teologia para provar suas falhas intrínsecas) em Caproni é muito simples, embora retorcida, basta ler, na coletânea, o poema “Cantabile”: O menino que venceu/em seguida a vergonha escondida/de crer, e orando/por uma hora deixa agora/seu ramalhete de flores/a Santa Rita de Cássia, como fará, meu Deus,/como fará a perdoar-te/depois, sem ódio, o furto de tua inexistência?
A falha que o poeta imputa à teologia (no caso, ao conjunto de preceitos, princípios e dogmas do catolicismo) é de fazer crer ao menino algo (máxime, a existência de Deus) que depois (quando adulto), irá lhe subtrair. É desse furto que o poeta ressente, nos momentos mais lancinantes de sua existência (e de sua poesia). Trata-se, como o define Hölderlin, eufemisticamente, no prefácio de Agamben, de uma “traição de tipo sagrado”. Bergman, por exemplo, é mais direto. A personagem-chave de O sétimo selo,diz, durante a partida de xadrez com a Morte: “Os homens pegaram os seus medos e deram-lhe o nome de Deus”. Ele mesmo, numa entrevista a Cahiers du cinema, na década de 1960, declara: “depois que deixei de acreditar, sinto-me mais calmo, bem”. Na tradição poética italiana, esta “traição de tipo sagrado” jamais foi questionada tão abertamente.

2. No sentido em que a poesia de Caproni lamenta a perda e de Deus, pode ser vista como uma literatura que potencializa a consciência dessa perda? Ou seja, podemos ter em Caproni uma leitura que leve o homem da pós-modernidade ou o homem contemporâneo à busca do preenchimento? E quando lamenta a inexistência de Deus de alguma forma o poeta está se diferenciando do niilismo ou protestando contra a falácia religiosa?
Aurora Bernardini – Recorrendo novamente a Agamben: “Em Caproni, todas as figuras da ateologia chegam à sua despedida (…) No entanto, ao passo que a infidelidade hölderliniana  fazia questão precisamente que “ a memória dos celestes não findasse”, aqui domina uma sóbria ‘decisão de abrir mão’.(…) Caproni conseguiu exprimir, sem sombra de nostalgia ou de niilismo o ethos e quem sabe a Stimmung da solidão sem Deus.”  E mais, enquanto as diferentes escolas literárias têm discutido a relação vida/arte, na instância da dessujeitivização à qual   Caproni submete sua poesia, vida e arte confluem e se confundem.

3.      O que seria perder algo que se possui tão completamente que não se tem consciência da sua posse e como você vê a relação dessa coisa perdida que Agamben faz com a poesia de Caproni, afirmando que ela se tornou a própria res amissa?
Aurora Bernardini – Trata-se de alguma coisa preciosa (um Bem, ou – para um crente – até mesmo a Graça – explica Caproni, citado no prefácio), que o poeta guardou tão bem que não mais a encontra. Aproveitando brilhantemente a deixa, Agamben adentra-se pelos meandros da Graça e lembra o perigo, para a religião cristã, de ela não poder ser perdida, conforme dizia Pelágio. Daí sua condenação por Agostinho, daí sua excomunhão. Por outro lado, o poema “Res amissa”, sem ritmo, sem rima, sem prosódia é comparado por Agamben ao lenho quebrado do violino que Caproni, depois de um concerto, esfacelou:

Dela não encontro traço./ Veio me ver a fim (disso tenho certeza) /de dar-me de presente./ Dela não mais encontro traço./ Revejo ao findar/do dia o rosto minguado/ branco flautado…/ A  manga/ em renda…/A graça,/ tão doce e germânica/ no oferecer…/ Um vento/ de choque – um ar  quase silíceo enregela/agora o quarto…/ (È lâmina/de faca?/Tormento/ além do vidro e da madeira/- serrada – do postigo?) /Dela não vejo mais sinal./Mais traço./Pergunto/ à Morgana…/ Revejo/ minguado o minguado rosto branco / flauto desaparecido…/  Descerra/- remota – a alvorescente boca, /Mas não fala./(Não pode/ – nada pode – dar resposta.) /Não mais espero encontrá-la./Com demasiado cuidado/ (irrecuperavelmente) a guardei. (“Res Amissa”).

O violino quebrado não tem reparo. Idem, a Coisa perdida não pode ser encontrada. E ela é imperdível por já estar irremediavelmente perdida. “E perdida por força de ser – tal como a vida, tal como, justamente, uma natureza – demasiado intimamente possuída, demasiado ‘ciosamente, (irrecuperavelmente) guardada’”, como comenta Agamben.

4. O que norteou Agamben na seleção desses poemas?
Aurora Bernardini – Agamben mencionou cronologicamente os poemas de Caproni que considerou significativos na obra deste, para o seu prefácio. Eu acompanhei a seleção, introduzindo também outros poemas que considerei representativos, das respectivas coletâneas, cronologicamente, para que o leitor brasileiro possa ter uma visão mais ampla da obra do poeta, a partir de suas fases idílicas (a crença), até a crueza da carnificina na guerra e da vida adulta, a denúncia político-social e o despojamento total.

5. Como é traduzir Caproni? E como vc lida com as “impossibilidades de tradução” na sua obra? Em seu comentário, Agamben diz que, pelo domínio da “ligação musaica”, “(…) nenhuma tradução, não apenas de Pascoli, mas também de Penna ou Caproni, conseguirá dar uma ideia vaga do original.  E da mesma forma, qual o desafio de traduzir Agamben com toda sua erudição medieval?
Aurora Bernardini – Tenho me dedicado ao estudo e ao processo da poesia há alguns anos, inclusive para traduzi-la, pois tradutor de poesia não se improvisa. E é necessário também que se tenha certa propensão… No caso de línguas afins, como a italiana, a tradução exige atenção e sensibilidade mais do que, propriamente, “recriação”. Já, para traduzir um crítico refinado como Agamben é preciso o máximo de rigor filológico e científico, diria: certos conceitos ligados aos termos que ele usa diferem de época em época e de língua para língua. Caproni teve alguns de seus poemas traduzidos por Maurício Santana Dias e Agamben já é um crítico bastante conhecido nas principais universidades do Brasil, cujas editoras o tem publicado em tradução brasileira. Cito da UFMG: Homo Sacer; da Humanitas/UFMG: Infância e História; da Boitempo: Estado de Exceção, Profanações; e agora, da UFSC: Desapropriada maneira.

6.       Agamben conclui o comentário dizendo que “de todos os livros de poesia que se continua e se continuará certamente a publicar  é impossível dizer que ao menos um único deles poderá estar à altura do evento que aqui se cumpriu”. Como você vê essa afirmação?
Aurora Bernardini – Agamben chamou seu prefácio de “Desapropriada maneira”, exemplificando e explicando o que distingue estilo e maneira e descobrindo facetas capronianas das quais, provavelmente, o poeta não tinha clara consciência – e isso ocorre aos críticos particularmente argutos – ao comentar, no final do referido prefácio, o trabalho de  desapropriação do nexo formal (ligação musaica) e da linha prosódica (métrica, rítmica e rímica) da última coletânea de Caproni  (Res amissa). Em particular, o poema “Res amissa” – conclui Agamben – “atingiu para sempre uma região para além do próprio e do impróprio, da salvação e da ruína. Esta é a herança não recebível que a desapropriada maneira de Caproni deixa à poesia italiana”.

Entrevista a Raquel Wandelli – assessora de comunicação da SeCArte/UFSC
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