A Antropóloga estreia nesta sexta, 29, depois de uma pré-estreia de sucesso

28/04/2011 17:50

Obra que coloca em cena a magia e a cultura popular da gente açoriana, A Antropóloga estréia nesta sexta-feira (29), em todos os cinemas da Capital, com a torcida da UFSC, que deu suporte humano e logístico para trazer ao público a obra maior do cineasta catarinense e diretor do Departamento Artístico-Cultural, Zeca Nunes Pires Bruxos. Aplaudidíssimo pelo público e pela mídia na pré-estreia, Zeca Pires conta com uma boa repercussão do filme no Estado para projetá-lo para fora. A Antropóloga inscreve o universo mágico ilhéu na onda mística sem ceder às fórmulas fáceis do mercado. Com o cuidado científico de um antropólogo e a delicadeza poética de um cineasta, realiza um filme de mistério. Vencedora do Edital da Fundação Catarinense de Cultura de 2003, a obra preserva, pela ambiguidade e sutileza, o silêncio respeitoso pelo mundo inapreensível do sagrado.

Com apoio institucional da Secretaria de Cultura e Arte da UFSC, da RTP dos Açores, a consultoria a diversos departamentos de ensino da universidade e a participação de professores e alunos do Curso de Cinema no processo de filmagem, Zeca Pires levou nove anos para viabilizar financeiramente o segundo longa de sua carreira e chegar a essa síntese de tratamento artístico e antropológico da cultura popular. O respeito ao mistério tira A Antropóloga do lugar-comum das ficções que tratam o universo simbólico como espelho da realidade, onde as entidades sobrenaturais servem de mera caricaturas para a reencenação maniqueísta da luta entre o bem e o mal.

No enredo do longa, a protagonista Malu (Larissa Bracher), antropóloga açoriana, revive em clima de suspense os mistérios da cultura popular da Ilha. Através do olhar de Malu a Costa da Lagoa se transforma em cenário de experiências iniciáticas emocionantes, que revelam um mundo oculto do sagrado e da magia. O enredo de A Antropóloga é também uma homenagem às tradições populares de Florianópolis. A obra do artista plástico, historiador e pesquisador Franklin Cascaes, abrigada no Museu Universitário Osvaldo Rodrigues Cabral, inspira o eixo central da trama que envolve Malu em surpreendentes descobertas. Giba Assis Brasil, da Casa de Cinema de Porto Alegre assina a montagem, Silvia Beraldo responde pela criação da música original e Maria Emília de Azevedo a Produção Executiva. O roteiro foi criado por Tânia Lamarca e Sandra Nebelung, a partir de um argumento de Tabajara Ruas.

O enredo transita sutilmente entre a explicação científica para o desenlace dos fatos e a abertura para o campo do inexplicável, que abala o ceticismo cientificista inicial da pesquisadora portuguesa. Em seu trabalho de campo na Costa da Lagoa, Malu se depara com uma miríade de indícios e relatos de magia que acaba associando aos registros de Cascaes e ao drama da menina. Como o pai Adriano (Luige Cútulo), que apesar de médico recorre à magia para salvar a filha, o abismo da morte desinstala a cientista das convenções acadêmicas.

Mas o que faz do filme uma obra emblemática deste tempo e deste lugar onde continua a se proliferar o imaginário místico de herança celta-açoriana é a forma como atualiza enigmas milenares. A religiosidade ilhoa, que já é um amálgama de crenças pagãs com teologias de diferentes origens, é mergulhada no sincretismo contemporâneo que entrecruza catolicismo, espiritismo, umbanda, mesa branca, magia, xamanismo, protestantismo. Enquanto a mística Ritinha tenta curar Carolina do embruxamento, um grupo de adolescentes com tendências góticas aporta na Ilha atrás das convenções bruxólicas.

Na atualização da lenda, seria fácil escorregar para uma caricatura da cidade vendendo a imagem sedutora da paradisíaca Ilha das Bruxas. Mas Zeca preferiu o filtro diáfano das nuvens em um dia de pouca luz para dar visibilidade ao mistério da sua terra. Além da curiosidade cultural e do espírito de pesquisador que circundam a obra, dois outros recursos concorrem para produzir esse cuidado. Em primeiro lugar, a direção fotográfica, de Charles Cesconetto, foge ao clichê das imagens publicitárias e anestesiantes das belezas turísticas.

A câmera adentra o interior das matas litorâneas, revelando o sertão do mar, menos colorido, mas não menos fascinante. “Optamos por uma dessaturização da cor para produzir um efeito quase monocromático das imagens e fazer o público se concentrar na narrativa”, conta Zeca. Com um orçamento de R$ 1 milhão e 600 mil, baixo para os padrões brasileiros, Zeca economizou a viagem para Açores produzindo a terra da pesquisadora na própria Ilha de Santa Catarina. O filme contou com o patrocínio da Petrobrás, Ancine, Fábio Perini, Tractebel Energia, Banco Bonsucesso, Eletrosul, Celesc, Fundação Badesc, Furnas, Angeloni e RBS. A distribuição é da Imagem Filmes, que preferiu adiar a estreia prevista para 8 de abril para não coincidir com outro lançamento nacional.

O segundo recurso inovador é a intercalação da linguagem de documentário com a linguagem de ficção. Durante nove meses antes de iniciar as filmagens propriamente ditas, Zeca, que tem formação de documentarista e diversos títulos do gênero em sua filmografia, morou na Costa da Lagoa para preparar o cenário do filme e acabou aproveitando na trama as cenas documentais. Em seu trabalho de campo, a pesquisadora entrevista estudiosos da cultura local, como Gelci Coelho, o Peninha, herdeiro do patrimônio intelectual de Cascaes, e Alésio dos Passos Santos, que foi seu guia nas expedições pelo interior da Ilha. E entrevista principalmente pescadores, moradores das comunidades, curandeiras, benzedeiras muito idosas (uma delas já faleceu), enfim, esses habitantes que se escondem atrás das faixas de areia e encantam o filme com sua ingênua malinagem.

Como as inserções dos entrevistados são integradas ao contexto da narrativa e a entrevistadora é também a protagonista da história, a solução acaba por derrubar as fronteiras entre documentário e ficção, assim como o discurso da ciência e da cultura popular ficam no mesmo plano da poética da linguagem.

Raquel Wandelli, assessora de Comunicação da SeCArte/UFSC

raquelwandelli@yahoo.com.br

raquelwandelli@reitoria.ufsc.br

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Abrem quarta inscrições para o II Festival de Música da UFSC

18/04/2011 13:54

Festival de Música da UFSC - Edição 2010

O Festival de Música da UFSC “colou” em Florianópolis e vai para a sua segunda edição. Abrem no dia 20 (quarta-feira) e vão até o dia 31 de maio as inscrições para o evento, promovido pela Secretaria de Cultura e Arte (SeCArte) e Departamento Artístico-Cultural da UFSC. Como na primeira edição, 20 composições serão selecionadas entre os inscritos e apresentadas ao público em dois grandes shows nos dias 27 e 28 de agosto, no horário das 18 às 22 horas, na Praça da Cidadania. Os músicos vencedores receberão troféu e terão suas composições gravadas em um CD e DVD.

Primeiro festival de música desde a década de 80, o evento é aberto à participação de estudantes universitários, professores e servidores técnico-administrativos dos Campi de Florianópolis, Curitibanos, Joinville e Araranguá. Também podem participar compositores, músicos, intérpretes e comunidade em geral da grande Florianópolis.  A comissão de organização decidiu manter o caráter regional da mostra ainda este ano, com a perspectiva de estadualizar o evento a partir do próximo. “Pretendemos aperfeiçoar e ampliar o festival cada vez mais para que seja um laboratório referencial no Estado de experimentação e produção de música”, salienta Maria de Lourdes Borges, secretária de Cultura e Arte.

Presidida pelo músico Marco Valente, coordenador do Projeto 12:30, do Departamento Artístico-Cultural, a Comissão de Organização já está se reunindo para preparar o evento, cujo caráter não-competitivo foi muito elogiado pelo público. “O objetivo do festival é incentivar a pesquisa e a produção musical com excelência”, lembra Valente. Cada proponente poderá inscrever até três músicas de composição própria, sem nenhuma restrição de estilo. Dentre as três apenas uma será selecionada e vai ao palco do festival. A seleção ocorrerá de 1 a 17 de junho. Para fazer a inscrição é preciso entregar preenchido o formulário que se encontra disponível para download no site www.secarte.ufsc.br; um CD contendo a gravação de até três composições. Neste site serão divulgados os nomes dos eleitos pela comissão de seleção.

Nos dias da mostra, a apresentação dos grupos escolhidos será encerrada pelo show de duas bandas consagradas de Florianópolis: no dia 27, a banda John Bala Jones (pop) e no dia 28, o Grupo Engenho (rock regional que fez muito sucesso nos anos 70 e 80). Valente aposta na qualidade e ousadia estética, pontos marcantes da edição anterior, que teve saldo de público de 15 mil pessoas. Um mês antes da realização do II Festival, a SeCArte e o DAC farão um show de lançamento e distribuição para as bandas participantes do Cd e DVD que está sendo concluído com a gravação do primeiro evento.

O material de inscrição deve ser entregue no horário das 14 às 18 horas, na SeCarte, que fica no prédio da Editora – 2º andar ou pelo endereço: Secretaria de Cultura e Arte da UFSC, Campus Universitário Reitor João David Ferreira Lima, Prédio da Editora Universitária, 2° andar, Florianópolis, SC, CEP: 88040970. E-mail para contato: festivaldemusica@reitoria.ufsc.br.

Raquel Wandelli (jornalista, SeCArte)

Contatos: (48) 99110524 – 37219459

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Historiador divulga origem do mito de Santa Catarina de Alexandria

12/04/2011 17:32

A roda dentada quebrada, as palmas e o diadema fazem referência à imagem de Santa Catarina de Alexandria, padroeira do Estado, mas grande parte dos catarinenses desconhece a origem desses símbolos. Quem foi Catarina de Alexandria? De onde vem o nome do Estado? É para responder a essas perguntas simples, mas que costumam pegar os catarinenses desprevenidos, e divulgar a história de coragem e amor de Catarina de Alexandria que João Lupi fará, no dia 14 de abril, a palestra “Santa Catarina de Alexandria – A Padroeira dos Estudantes e do Estado de Santa Catarina”. O evento ocorrerá às 15 horas, no auditório do Centro de Educação da UFSC.

O interesse pela jovem que deu o seu nome ao Estado ainda é restrito. Nos últimos anos, alguns historiadores, artistas e literatos ilustres começaram a divulgar o nome da santa através da poesia, da pintura (Albertina Prates) e de quadros murais (Rodrigo de Haro). “De 50 anos pra cá, o culto à Santa Catarina de Alexandria diminuiu muito, as pessoas não sabem quem ela foi, não festejam mais a data”, confirma o professor e doutor em filosofia João Lupi, Entusiasta desse mito, Lupi tem se dedicado a valorizar o conhecimento histórico-religioso das crenças responsáveis pela formação do povo catarinense, começando pela busca da origem do nome de nossa terra.

Com a intenção de levar a história de Catarina de Alexandria às escolas, João Lupi publicou dois livros, Santa Catarina: A jovem princesa de Alexandria e Santa Catarina: A origem de seu nome. Ambos foram destinados ao público infantil e editados em parceria com a UFSC e com a Secretaria de Estado da Educação no ano de 2004. Nas duas edições publicadas, o autor conta com linguagem e ilustrações encantatórias da história da vida da santa padroeira dos estudantes. Todavia, a tiragem na época foi pequena e restrita a poucas escolas.

A Grande Mártir Santa Catarina, como é também conhecida, cresceu como pagã mas depois converteu-se ao cristianismo. Após tentar convencer o imperador Maximiamo de que era um erro a perseguição aos cristãos, Catarina foi torturada, presa e então degolada. Nesse momento, um sinal divino aconteceu: no lugar de sangue, jorrou leite do corpo da jovem princesa. Catarina ficou assim reconhecida como mártir – testemunha ou defensora da fé, porque preferiu dar a própria vida a abandonar a fé cristã.

O dia 25 de novembro, dia de sua morte, passou a ser dedicado à imagem da princesa Catarina de Alexandria, que se transformou numa santa cristã. Na Idade Média, os portugueses e espanhóis começavam suas navegações pelo mundo e a devoção à Santa Catarina crescia muito. Nesse mesmo dia, em 1526, o navegador Sebastião Caboto chegou a uma ilha da costa brasileira, habitada pelos índios Carijós, que a denominavam de Meiembipe. Quando aportou na ilha, Sebastião Caboto batizou-a de Ilha de Santa Catarina. Há uma polêmica em torno da motivação desse nome. De acordo com uns, o nome homenageia a santa, enquanto para outros, faz referência a sua esposa Catarina Medrano.

Maiores informações:

Núcleo de Estudos Açorianos (NEA) – 3721-8605

texto: Marcela Borges, estagiária de Jornalismo na SeCArte

assessora de comunicação da SeCArte

Raquel Wandelli

A ILHA E A GENTE NO FILME DE MISTÉRIO A ANTROPÓLOGA

21/03/2011 16:39

Bruxos e bruxas, vampiros, lobisomens, anjos e demônios são personagens em alta na ficção contemporânea. Vieram do imaginário das mais diversas culturas para as telas do cinema cumprindo o gasto papel dos tradicionais heróis e vilões da indústria do entretenimento. Movido por um visível interesse afetivo pela cultura ilhoa, Zeca Pires, diretor do Departamento Artístico-Cultural da UFSC, não cedeu às fórmulas fáceis do mercado: inscreveu o universo mágico ilhéu nessa onda mística com o cuidado científico de um antropólogo e a delicadeza poética de um cineasta. Seu aguardado longa-metragem A antropóloga, que estreia no dia 29 de abril em todas as salas comerciais de Florianópolis, tem todos os ingredientes de um suspense, mas é, na verdade, um filme de mistério. Vencedora do Edital da FundaçãoCatarinense de Cultura de 2003, a obra preserva, pela ambiguidade e sutileza, o silêncio respeitoso pelo mundo inapreensível do sagrado.

Com apoio institucional da Secretaria de Cultura e Arte da UFSC, da RTP dos Açores e do Fundo Municipal de Cinema, Zeca Pires levou nove anos para viabilizar financeiramente o segundo longa de sua carreira e chegar a essa síntese de tratamento artístico e antropológico da cultura popular. O respeito ao mistério tira A Antropóloga do lugar-comum das ficções que tratam o universo simbólico como espelho da realidade, onde as entidades sobrenaturais servem de mera caricaturas para a reencenação maniqueísta da luta entre o bem e o mal. No drama de Carolina (Rafaela Barcelos), a menina com suspeita de empresamento bruxólico, o eterno embate entre o bem e o mal se faz presente, sobretudo no confronto final entre a antropóloga e a bruxa, mas está cercado de ambiguidades e contradições.

A mulher que obseda Carolina é também o fantasma da mãe morta no parto, e pode sugerir os malefícios do apego materno, mas também a disputa pelo amor do pai viúvo e a somatização do sentimento de culpa da menina pela morte da mãe. Com a mesma complexidade, as benzedeiras e curandeiras, que se armam de resmas de alho, plantas para limpeza energética, objetos com poderes de exorcização e orações capazes de afastar as mulheres solteiras de seus homens, compartilham também com as bruxas feitiçarias e conhecimentos pagãos sobre os poderes medicinais das ervas. Malu, a antropóloga portuguesa interpretada com verdade pela atriz de teatro mineira Larissa Bracher, transita ela própria pelos dois planos. E experimenta a perseguição medieval às bruxas quando Sueli, a esposa crente do pescador Pedro insinua-lhe para atravessar o seu caminho, porque na Ilha não há homens para uma mulher como ela.

A exemplo das grandes obras de mistério, assinadas por autores do talento de Edgard Allan Poe, Henry James ou o cineasta Roman Polansky, A Antropóloga coloca o espectador em contato com o sobrenatural sem dar a chave do segredo. O enredo transita sutilmente entre a explicação científica para o desenlace dos fatos e a abertura para o campo do inexplicável, que abala o ceticismo cientificista inicial da pesquisadora portuguesa. Em seu trabalho de campo na Costa da Lagoa, Malu se depara com uma miríade de indícios e relatos de magia que acaba associando aos registros do antropólogo ilhéu Franklin Cascaes e ao drama da menina. Como o pai Adriano (Luige Cútulo), que apesar de médico recorre à magia para salvar a filha, o abismo da morte desinstala a cientista das convenções acadêmicas.

No argumento de Tabajara Ruas, roteirizado por Tânia Lamarca e Sandra Nebelung, a origem da própria doença da menina, de onde parte o foco da narrativa, é mantida na ambiguidade. Tanto pode ser um tipo raro de câncer cerebral, conforme o diagnóstico oficial, como efeito do embruxamento provocado pela sétima filha mulher de uma família sem descendentes homens, em alusão a uma antiga lenda açoriana que encontra variantes em todo o mundo. Nesse sentido, a secretária de Cultura e Arte da UFSC, Maria de Lourdes Borges, compara o 35 mm de Zeca Pires a O bebê de Rosemary. “O segredo não se esgota nem na explicação científica do distúrbio paranóico da gravidez, nem na hipótese da paternidade diabólica”, lembra a filósofa. No Polansky manezinho, Maria de Lourdes enaltece a solução final, que afirma o poder da magia como uma opção pelo encantatório em resistência à supremacia da lógica racional.

O mais interessante no filme e o que faz dele uma obra emblemática deste tempo e deste lugar onde continua a se proliferar o imaginário místico de herança celta-açoriana é a forma como atualiza enigmas milenares. A religiosidade ilhoa, que já é um amálgama de crenças pagãs com teologias de diferentes origens, é mergulhada no sincretismo contemporâneo que entrecruza catolicismo, espiritismo, umbanda, mesa branca, magia, xamanismo, protestantismo. Enquanto a mística Ritinha tenta curar Carolina do embruxamento, um grupo de adolescentes com tendências góticas aporta na Ilha atrás das convenções bruxólicas.

Em meio às bruxas, fadas, beatas, benzedeiras, curandeiras, rendeiras, pesquisadoras, cientistas, A Antropóloga faz um filme com atmosfera feminina. A obra canta a sensibilidade e a intuição femininas, a despeito do conteúdo contraditoriamente machista e misógino que por vezes permeia a cultura popular, herdeira da disposição política medieval de colocar na fogueira toda mulher que escapa ao controle da sexualidade e da religiosidade ortodoxa. “Por isso não criamos uma alegoria para as bruxas, pra que cada um formasse uma imagem e um conceito para si”, explica o diretor, que resume assim sua obra: “Um elogio cinematográfico despretensioso e sutil à magia e ao poder das mulheres que encontra um lugar de resistência no cenário mágico da Ilha de Santa Catarina”.

Na atualização da lenda, seria fácil escorregar para uma caricatura da cidade vendendo a imagem sedutora da paradisíaca Ilha das Bruxas. Mas Zeca preferiu o filtro diáfano das nuvens em um dia de pouca luz para dar visibilidade ao mistério da sua terra. Além da curiosidade cultural e do espírito de pesquisador que circundam a obra, dois outros recursos concorrem para produzir esse cuidado. Em primeiro lugar, a direção fotográfica, de Charles Cesconetto, foge ao clichê das imagens publicitárias e anestesiantes das belezas turísticas. A câmera adentra o interior das matas litorâneas, revelando o sertão do mar, menos colorido, mas não menos fascinante. “Optamos por uma dessaturização da cor para produzir um efeito quase monocromático das imagens e fazer o público se concentrar na narrativa”, conta Zeca. Com um orçamento de R$ 1 milhão e 600 mil, baixo para os padrões brasileiros, Zeca economizou a viagem para Açores produzindo a terra da pesquisadora na própria Ilha de Santa Catarina. O filme contou com o patrocínio da Petrobrás, Ancine, Fábio Perini, Tractebel Energia, Banco Bonsucesso, Eletrosul, Celesc, Fundação Badesc, Furnas, Angeloni e RBS.

O segundo recurso inovador é a intercalação da linguagem de documentário com a linguagem de ficção. Durante nove meses antes de iniciar as filmagens propriamente ditas, Zeca, que tem formação de documentarista e diversos títulos do gênero em sua filmografia, morou na Costa da Lagoa para preparar o cenário do filme e acabou aproveitando na trama as cenas documentais. Em seu trabalho de campo, a pesquisadora entrevista estudiosos da cultura local, como Gelci Coelho, o Peninha, herdeiro do patrimônio intelectual de Cascaes, e Alésio dos Passos Santos, que foi seu guia nas expedições pelo interior da Ilha. Mas entrevista principalmente pescadores, moradores das comunidades, curandeiras, benzedeiras muito idosas (uma delas já faleceu), enfim, esses habitantes que se escondem atrás das faixas de areia e encantam o filme com sua ingênua malinagem. Como as inserções dos entrevistados são integradas ao contexto da narrativa e a entrevistadora é também a protagonista da história, a solução acaba por derrubar as fronteiras entre documentário e ficção, assim como o discurso da ciência e da cultura popular ficam no mesmo plano da linguagem.

Assim, a leitura do filme passa por várias camadas de interpretação que vão da mais racional a mais sensorial e nos dão conta de que todas transitam igualmente no mundo das possibilidades do simbólico. Nenhuma é capaz de fechar a porta do mistério e desestimular o espectador a uma nova leitura. Em seu célebre comentário aos poemas de Caproni, o filósofo italiano Giorgio Agamben fala da res amissa como o sentimento da coisa perdida, algo que possuímos tão intensamente que perdemos a consciência da sua presença e por isso se tornou inapreensível. Essa coisa do plano do invisível e do imaginário mais intocado da sua gente que Zeca Pires tenta evocar como matérias do sagrado que não podem ser consumidas pelo fogo do espetáculo.

Raquel Wandelli, assessora de Comunicação da SeCArte/UFSC
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