Tecnologias seculares dividem espaço com tecnologias atuais nas fortalezas

18/08/2022 15:04

As fortalezas da Ilha de Santa Catarina são campos onde se pode observar na prática a aplicação de ciência e tecnologia – daquelas desenvolvidas a séculos atrás e também das mais atuais. Hoje, quando a Fortaleza de São José da Ponta Grossa e a Fortaleza de Santo Antônio de Ratones, ambas em Florianópolis, passam por obras de restauração e requalificação, a ciência e a tecnologia do passado e da atualidade se encontram no mesmo lugar. Se Ratones teve seu próprio sistema de reaproveitamento de água da chuva no século XVIII, agora conta com painéis solares fotovoltaicos atualizados. Conheça a seguir quatro tecnologias seculares e outras quatro atuais que dividem espaço nas fortificações.

Atenção: devido à fase atual das obras, as fortalezas estão fechadas para a visitação. Saiba mais.

Reaproveitamento da água da chuva
Fortaleza de Santo Antônio fica localizada na Ilha de Ratones Grande, no meio da baía norte, em Florianópolis. Isolada assim, uma solução considerada ecológica hoje era estratégica séculos atrás. Para garantir o abastecimento de água para a tropa, a fortaleza foi construída, a partir de 1740, de forma a captar a chuva dos telhados[1] – conectados por aqueduto – e fazer com que escorresse para um reservatório nos fundos da fortificação.

Apesar de ter uma fonte de água na ilha, ela não fornecia o suficiente para a tropa. Além disso, ficava fora das muradas, então havia a possibilidade de ser controlada pelos inimigos caso a fortaleza fosse sitiada.

Planta de restauro da Fortaleza de Santo Antônio de Ratones na década de 1990 mostrando o aqueduto entre prédios

Assista também o episódio do tour virtual
que trata do sistema de captação de água de Ratones.

Novo sistema fotovoltaico atenderia até 10 casas
O novo sistema fotovoltaico da Fortaleza de Santo Antônio de Ratones tem capacidade igual à necessária para atender 10 residências familiares por 25 anos[2]. Ou seja, por mês, são gerados em torno de 1.500 kWh. Claro que o sistema não é utilizado para abastecer casas, mas para fornecer energia limpa para a fortaleza, utilizada em iluminação, elevador e equipamentos diversos.

Além disso, o novo sistema está equipado com dispositivo para inclusão de novas formas de geração de energia, como gerador eólico. Também há a possibilidade de acompanhamento de todo o funcionamento do sistema via celular.

Sistema fotovoltaico de Ratones pode ser monitorado via celular. Foto: Jaci Valdemiro Nunes

Em 2000, a UFSC já tinha instalado painéis solares em Ratones, substituindo a tecnologia anterior, com gerador a diesel, e evitando a queima mensal de 1,2 mil litros de combustível. Agora, o sistema foi totalmente renovado. Se fosse mantido o gerador a diesel, para atingir a capacidade da geração de energia atual, seria necessária a queima de mais de 5,7 mil litros de combustível por mês[2]. A natureza agradece.

Seteiras estão entre as tecnologias mais antigas
As seteiras são uma das tecnologias mais antigas existentes nas fortalezas. Estavam presentes já nos castelos medievais[3]. São aberturas nas muradas com um formato específico: estreitas do lado de fora, mas com espaço interno para o manejo de uma arma.

Nas fortificações, era comum que algumas seteiras ficassem ao lado da portada, como na Fortaleza de Santo Antônio de Ratones e na Fortaleza de São José da Ponta Grossa. Assim, soldados ali posicionados poderiam defender o principal ponto de acesso às construções.

Soldado atira pela seteira da Fortaleza de Ratones

Mais de 270 lâmpadas para lembrar antigo teto
A portada da Fortaleza de São José da Ponta Grossa ganhou 276 luminárias inox equipadas com lâmpadas led – tecnologia mais eficiente e econômica. São, ao todo, 23 arcos com 12 luminárias cada[4].

Esse corredor foi uma forma de lembrar o antigo teto que existia naquele ponto da fortificação, que era em formato de abóbada – desenho que foi imitado na disposição das lâmpadas. A alvenaria de tijolos que havia no teto original do século XVIII não resistiu ao tempo.

Luminárias imitam o formato do antigo teto, hoje desaparecido. Foto: Iasmim Albuquerque Araújo.

Uma construção desalinhada. Por quê?
Na Fortaleza de Santa Cruz de Anhatomirim, em Governador Celso Ramos, um dos prédios foi construído no século XVIII desalinhado em relação a todos os outros. Essa edificação é a Casa da Farinha (compare com as outras construções na ilustração abaixo).

O prédio foi construído na direção norte-sul pois essa era a melhor forma de garantir mais tempo de exposição das paredes a raios solares ao longo do dia[5]. Isso era importante pois a Casa da Farinha era o depósito de alimentos da fortaleza. O objetivo era manter os mantimentos livres de humidade e, assim, frescos e adequados ao consumo.

Luneta para visualizar o triângulo defensivo
No século XVIII, as fortalezas do triângulo defensivo da baía norte, na Grande Florianópolis, deveriam funcionar em conjunto. O objetivo era proteger a região de invasores. Em cada uma dessas fortificações – Fortaleza de Santa Cruz de AnhatomirimFortaleza de São José da Ponta Grossa e Fortaleza de Santo Antônio de Ratones – existe um ponto ideal para enxergar as outras duas.

Na Fortaleza de São José da Ponta Grossa, esse local fica bem em frente à Casa do Comandante, no ponto mais alto da fortificação. Agora, há uma luneta para que os visitantes possam visualizar as outras duas fortalezas, compreendendo melhor o triângulo defensivo.

Assista ao vídeo com
demonstração do uso da luneta.

Muradas arredondadas desviam as balas
A partir do século XIV, os castelos medievais começaram a ser preparados para suportar também a agressão das armas de fogo, que naquela época surgiam nos campos de batalha. Uma das mudanças impactou nas plantas de torres e muradas, muitas delas então retas e cheia de ângulos[6]. O formato arredondado não só desvia melhor as balas de canhão da artilharia inimiga como também dava mais opções de ângulos para o contra-ataque dos defensores.

Essa estratégia passou como um dos legados medievais para as fortalezas. No século XVIII, duas das primeiras fortificações da Ilha de Santa Catarina ganharam muradas arredondadas.

Ruínas da Fortaleza de Araçatuba, na baía sul, com a bateria circular de canhões (ao centro da ilha). Foto: Alberto L. Barckert – fortalezas.org

Na Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição de Araçatuba, na baía sul da Grande Florianópolis, foi construída uma bateria de canhões circular para que os artilheiros pudessem apontar em qualquer uma das direções, cobrindo 360 graus a partir da fortaleza.

Fortaleza de Santo Antônio de Ratones tem uma murada arredondada voltada para o mar, bem na direção em que o inimigo pudesse vir ao entrar na baía norte.

A murada arredondada (à esquerda) da Fortaleza de Santo Antônio de Ratones. Foto: Alberto L. Barckert – fortalezas.org

Antes: prédios difíceis de entrar. Agora: não mais
As fortalezas da Ilha de Santa Catarina foram construídas para dificultar qualquer invasão. Por isso, eram também prédios difíceis de entrar, com muradas, fossos, guaritas e outras estruturas. Hoje, com a função de atrativos turísticos e culturais, as fortalezas estão ganhando soluções de acessibilidade.

Na Fortaleza de São José da Ponta Grossa, em fase final das obras, há rampas e elevadores para quem tem dificuldade de locomoção. Há um elevador para acesso de fora para dentro e um outro para que o visitante possa chegar ao segundo piso da Casa do Comandante.

Rampas e elevador para acesso à Fortaleza de São José da Ponta Grossa. Foto: Salvador Gomes.

Na Fortaleza de Santo Antônio de Ratones, um deck de madeira está em construção. Ao final dessa estrutura, um elevador facilitará o acesso ao terrapleno. Uma vez ali, os visitantes podem alcançar todos os prédios restaurados da fortificação.

Ilustração que consta dos projetos de requalificação, mostrando o deck e o elevador (à direita) em Ratones. Fonte: IPHAN.

Sobre as obras nas fortalezas

As obras de restauração e requalificação – que têm instalados novos equipamentos nas fortalezas – são custeadas pelo Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, com projetos, contratos, gestão e fiscalização da superintendência do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) em Santa Catarina.

Coordenadoria das Fortalezas da Ilha de Santa Catarina (CFISC), da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), dá apoio logístico ao trabalho. Em decorrência das obras, as fortalezas não podem ser visitadas neste momento. Saiba mais no comunicado.

Fontes

[1] De acordo com o livro As defesas da Ilha de Santa Catarina e do Rio Grande de São Pedro em 1786 de José Correia Rangel, dos organizadores Roberto Tonera e Mário Mendonça de Oliveira, da Editora da UFSC. Clique aqui para ir até a loja virtual.

[2] Dados fornecidos pelo engenheiro responsável pelo sistema fotovoltaico da Fortaleza de Santo Antônio de Ratones e repassados pela Construtora Biapó.

[3] De acordo com o verbete seteiras, da Wikipédia.

[4] Dados fornecidos pelos responsáveis pela instalação das luminárias na Fortaleza de São José da Ponta Grossa.

[5] De acordo com o Passeio Virtual – Fortaleza de Santa Cruz de Anhatomirim, disponível no site da Coordenadoria das Fortaleza da Ilha de Santa Catarina (CFISC).

[6] De acordo com o artigo A Arquitetura Militar Portuguesa no período de Expansão Ultramarina e suas origens medievais, de Edison Cruxen, publicado na Revista AEDOS, disponível no Banco de Dados Internacional sobre Fortificações – fortalezas.org.

 

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